Traços bio-bibliográficos:
Friedrich Wilhelm Nietzsche (
1844-1900 ) nasceu em Rocken, localidade próxima de Leipzig, Prússia, no
dia 15 de outubro. Seu pai e seus avôs eram pastores protestantes.
Nietzsche teve muito desse espírito religioso durante a infância, e
cogitava continuar a linhagem. Sua mãe era piedosa e puritana. Em 1849
perdeu o pai e o irmão. Mudou-se então para Naumburg, cidade às margens
do rio Saale, onde cresceu, em companhia feminina: a mãe, a irmã, duas
tias e a avó. Era uma criança feliz, aluno exemplar, dócil e leal. O
zelo e mimo familiar fez com que ficasse um pouco deslocado, pois não
gostava dos vizinhos, que armavam arapucas para passarinhos e
bagunçavam. Preferia a calma do estudo, e os coleguinhas o chamavam de
pequeno pastor, rejeitando maiores relações com ele. Lia a Bíblia, para
si e para os outros. Na sua autobiografia, um de seus últimos livros,
Ecce Homo- como chegar a ser o que é, conta que como seus colegas
duvidavam de uma história dele, deixou alguns palitos de fósforos
queimarem até o fim, na palma de sua mão. Em 1858, Nietzsche conseguiu
uma bolsa de estudos na escola de Pforta, onde havia estudado filósofo
romântico Fichte (1762-1814 ). Leu Schiller ( 1759- 1805) e Byron
(1768-1824), escritor boêmio romântico que foi um dos gurus do
romantismo. O Romantismo teve uma importância decisiva na juventude de
Nietzsche, que mais tarde, na maturidade, criticou-o. Com essas
leituras, e mais a influência de alguns professores, começou a se
afastar do cristianismo. Estudou muito na adolescência: a bíblia, o
latim, autores clássicos, grego e a cultura grega. Gostou muito de Platão
(428-348 a.C.) e Ésquilo (525-456). Escreveu um trabalho escolar sobre
Teógnis (século VI a. C). Saindo de Pforta, partiu então para Bonn, onde
estudou filosofia e teologia. Junto com seus colegas, Nietzsche teve um
período de orgias sensuais, e arriscou atuar nas artes masculinas de
fumar e beber, abandonando-as em seguida por considerá-las corruptoras
da percepção e pensamento. Em 1867 é chamado para o serviço militar, mas
teve um acidente quando montava a cavalo. Seus músculos peitorais se
distendem. Seu professor preferido, Ritschl, de cultura grega, o
persuadiu a mudar para Leipzig e se dedicar à filologia. Ritschl
considerava a filologia o estudo das instituições e pensamentos, e não
só o estudo das formas literárias. Seguindo o mestre, Nietzsche
completou seus estudos brilhantemente em Leipzig, e realizou estudos
sobre Homero, Diógenes Laércio (século III) e Hesíodo (século VIII a.
C). A partir desses estudos, conseguiu precocemente o cargo de professor
de filologia clássica da Universidade de Leipzig. Tinha 24 anos, e se
interessava por música e poesia. Queria viajar para Paris, mas o
professor Ritschl, em 1869 lhe propôs o posto de professor e ele
aceitou. Lá conheceu um dos únicos amigos cuja amizade durou até o fim,
Overbeck, que era professor de teologia. Nietzsche ocupa-se com muito
trabalho. Dá aulas sobre Ésquilo e palestras, como: "Sobre a
personalidade de Homero", "O drama musical grego". Redige um texto, A
origem e finalidade da tragédia. Alguns não concordam com Nietzsche, mas
todos o consideram um jovem de futuro promissor.
Em 1870 ocorre a Guerra Franco
Prussiana, passo importante para a unificação alemã. A Alemanha se
industrializa, a exemplo da Inglaterra e França, que desde o século
anterior passavam por processo de mecanização da produção. Otto von
Bismarck, militar responsável pela unificação alemã, declara guerra à
Prússia. Nietzsche participa da guerra como enfermeiro, mas logo adoece,
com disenteria e difteria. Essa doença pode ser a origem dos problemas
de saúde que o atormentaram por toda a vida. Recupera-se lentamente e
volta para a Basiléia , afim de continuar suas atividades. Fica com a
idéia de que o estado e a política são antagonistas. Ocorre a guerra
civil da França, e queimam-se os arquivos do museu do Louvre (Paris).
Nietzsche fica desesperado, pois considera um crime contra a cultura.
Conclui o primeiro livro, O nascimento da tragédia no espírito da
música. Meditou sobre o assunto enquanto atuava como enfermeiro. O livro
tem forte influência de Wagner (1813-1883) e Schopenhauer. Por volta de
1865, passava por uma livraria quando viu a reedição de um livro que
não havia feito muito sucesso na época em que foi feito: O mundo como
vontade e representação. Encontrou nele um espelho no qual redescobriu a
vida com uma natureza assustadora. Passa então, a realmente se
interessar por filosofia. No livro está contida a idéia principal de que
os atos dos seres vivos são fruto de uma cega vontade de viver.
Admira-se com o seu ateísmo, e no Gaia Ciência chama Schopenhauer de "o
primeiro filósofo assumidamente ateu". Schopenhauer diz que os meios de
produção só são admiráveis quando podem ser adquiridos por qualquer
homem, e que o aumento de custo, a falta de acesso, levam a uma
centralização do poder negativa. Antes da guerra, em 1868, Nietzsche e
Wagner se encontraram. Nietzsche gostava de sua músicas, como Tristão e
Isolda. Através de Brockhauss, um professor da universidade casado com a
irmã de Wagner, se encontraram. Nietzsche passou a visitar Wagner em
Tribschen, que não ficava longe da Basiléia. Caracterizou o lugar como
seu lar e seu refúgio. Wagner era profundo conhecedor da filosofia de
Schopenhauer. Em 1872 é publicado o Nascimento da tragédia, que começa
falando do drama musical grego, onde o dionisíaco se opõe ao apolíneo. O
Deus Dionísio, do vinho e da festa, levava, em seus cultos, à
experimentação dramática da existência. Os homens experimentavam a
exacerbação dos sentidos, a vertigem e o excesso nos cultos ao Dionísio,
o Baco dos romanos. A palavra bacanal deriva dessas festas em homenagem
a Baco. O dionisíaco, é como um apolíneo uma pulsão cósmica, só que de
outro tipo. Nela, se aniquilam as fronteiras e limites habituais da
existência cotidiana. É o prazer da ação, a inspiração, o instinto. A
existência cotidiana e dionisíaca são separados um do outro. Mas ao
passar ao turbilhão perceptivo do culto a esse Deus, volta-se ao estado
normal, deseja-se a vida ascética. Os Deuses gregos eram necessários
para esse povo, diz Nietzsche, porque legitimavam a existência humana.
Os homens viviam seus deuses, que mostravam a vida sob um olhar
glorioso. Na tragédia grega, a platéia participava também , era artista.
A tragédia se opõe a comédia. Nos cultos, o Deus se revela, mostrando o
drama da individualização. O livro de Nietzsche é o de um especialista
em cultura grega, e sua mitologia. Transborda de lirismo.
O apolíneo surge nas homenagens ao
Deus Apolo. É o inverso de Dionísio, pois é o Deus da moderação e da
individualidade, do lazer, do repouso, da emoção estética e do prazer
intelectual. Esse Deus surge, na cultura grega depois de Dionísio. A
arte grega retratava seus deuses, as pulsões cósmicas se manifestavam
nas atividades . A arte grega era a união desses dois ideais, que se
alternam. A música e o mito são inseparáveis na arte grega. O mito
trágico expressava toda a crueldade do mundo dionisíaco. O coro é
dionisíaco, e o diálogo, apolíneo. O pessimismo estava presente na arte,
pois os gregos conheciam a dureza da vida. Essa dureza leva à
desilusão, que é vencida na arte. A complementação que existia nas
experiências antagônicas do Dinosíaco e Apolíneo foi destruída pela
civilização. A Grécia antes não separava o manual e o intelectual, o
cidadão e político. A filosofia dos pré-socráticos é afirmadora da vida e
da natureza, pois o pensamento está unido com esse fenômeno, a vida.
Mas Sócrates corrompeu essa atividade grega, com as suas teorias,
realçou o lado frouxo do caráter ateniense e corrompeu a juventude. O
caráter da filosofia passa a ser julgar a vida, humanizar a natureza,
iluminar a escuridão do mundo com a luz tênue da razão. No lugar ao
filósofo mediador, que recria os valores, surgiu o filósofo metafísico.
Sócrates é o responsável pela divisão, na autoconsciência, do aparente e
do real, no novo culto ao entendimento, ao dizer que nada sabia. Nas
suas conversas e perambulações descobriu que os homens não tinham
conhecimento seguro de suas atividades, não resistiam à sua dialética e à
sua maiêutica, eles agiam apenas por instinto. O instinto passa, de
força criadora, a ser crítico. Sócrates, teve que pagar por sua audácia,
e sua serenidade diante da morte o tornou um exemplo e o novo ideal da
juventude ateniense. Nietzsche também faz a crítica a Sócrates no livro O
crepúsculo dos ídolos.
O mito dionisíaco, assim, desapareceu
da Grécia, deixou de ser vivenciado pelos homens. A exaltação,
encarnada na folia da orgia, e corroborada pela música deram lugar ao
apreço civilizatório. Mas será que ele sumiu para sempre? Nietzsche
reconhece em Wagner um Ésquilo moderno, que restaura os mitos
instintivos, tornando a unir a música e drama em êxtase dionisíaco. É
esse o caráter de sua música, segundo Nietzsche, que , junto com o povo
alemão iria restaurar o mundo experimentado sob transe místico. A música
é uma linguagem universal em alto grau. Todas as sensações humanas,
seus esforços, seu interior, pode se refletir e exprimir pelas melodias.
A razão lança isso no conceito negativo do sentimento, diz Nietzsche. E
, continua segundo a doutrina de Schopenhauer, a música é expressão da
vontade. O peso da existência é atenuado com estimulantes, e deles
derivam a civilização. Pode ser socrática, artística ou trágica.
Exemplos respectivos: a civilização alexandrina, helênica ou hindu. A
característica da civilização socrática é o otimismo, que está escondido
na lógica. Ao mito se sucedeu a clareza do conhecimento.
Nietzsche foi músico amador, embora
quisesse mais do que isso. Era bom pianista e suas composições musicais
chegam a dar bom volume.
Wagner adorou o livro, dizendo que
numa carta que suas palavras ainda não cobriam a grandeza do livro, pois
eram insuficientes. Mas ele também provocou reações adversas, como a do
helenista Mallendort. Pohden e Wagner respondem à crítica, que veio em
forma de panfleto. Wagner gostava de Bakunin na juventude. Em 1872
Nietzsche voltou à Basiléia. Profere palestras. É polêmico, mas
envolvente. Fala sobre a difusão da cultura na Alemanha. Defende a tese
de que o ensino não deve ser apenas profissionalizante, mas capacitador
do desenvolvimento das faculdades humanas. Desgostoso com o silêncio
sobre o seu primeiro livro, afunda no trabalho e na reflexão. Lhe vêm a
idéia de que a filosofia é o médico da civilização. A filosofia deve ser
crítica, não passiva. Redige uns pedaços de A filosofia na época
trágica dos gregos.
Nietzsche não é um pensador
sistemático. Não podemos fazer divisões rígidas de seu pensamento, e
classificá-lo é difícil. Alguns estudiosos dividem a sua obra em três
fases:
pessimismo romântico - (1869-1876) influência de Wagner e Schopenhauer.
positivismo cético-(1876-1881)
período de rupturas. Influência do moralismo francês. Critica o caráter
demasiado humano da filosofia e defende a liberdade de espírito. período
de reconstrução- A fase de Zarathustra e da afirmação da vida.
Escreve um ensaio, Sobre verdade e
mentira no sentido extra moral, no qual explora o lado gnosiológico, de
origem e fundamentação do conhecimento. O conhecimento é uma ilusão, a
única relação do homem com o mundo possível é a estética. O conhecimento
típico do homem, que assimila o mundo à sua perspectiva. Existem os
instrumentos do conhecimento (categorias e linguagem) e seu produto, o
mundo percebido. Uma das perspectivas que aprecem em Nietzsche é noção
de que o instinto da conservação da espécie é a responsável por muitos
atos. O conhecimento é útil à preservação da vida, e é também o objetivo
de todos os líderes religiosos.
O conhecimento não é transcendente, o
homem é criador de seus valores. O homem interpreta e dá um sentido
humano às coisas, o resultado é o mundo articulado. O conhecimento foi
inventado em um minuto, em relação aos cosmos, pelo homem. Foi um minuto
mentiroso. A verdade é procurada para ser válida e comum e a linguagem
dá as primeiras leis da verdade. A verdade e a mentira seriam relativas,
válidas para o ponto de vista humano.
No processo de antropomorfização do
mundo, o reduzimos e generalizamos. Por exemplo, ao estereotiparmos
folha, ignoramos qual folha é verdadeira e válida. Não existe na
natureza a folha, elas são bilhões. Nietzsche observa os humanos de
longe, e não o considera um ser privilegiado. Um dos pontos principais
de sua obra é a crítica aos valores judaico-cristãos. O homem não é
divino. Necessita sobreviver e dominar, na história estão presentes a
vontade de poder, de dominar. O destino de um homem não é tanto assim,
afinal, o sistema solar é apenas um ponto. O homem se apega à mentira do
conhecimento como se sua filosofia ou ciência explicasse realmente o
mistério cósmico. São invenções o conhecimento, a moral e a metafísica.
No século XVIII caíram as teorias de origem divina do homem. Mas existe o
idealismo metafísico, o homem é divino, a Terra é escolhida. Para
Nietzsche, o homem está sem Deus, sem causa transcendente. O
conhecimento é ativo e submisso à vida. O mundo que tem valor é o que
criamos ao perceber. Nossas verdades são ilusão.
Para crescer em potência, uma espécie
deve moldar sua concepção de realidade e comportamento em leis
invariáveis e elementos previsíveis. Nos filósofos anteriores a
Nietzsche, os órgãos de conhecimento eram de origem incondicionada ou
transcendente. Para Nietzsche , a capacidade espiritual do homem tem um
contexto natural e social.
Kant havia dito que só podemos
conhecer fenômenos, e não coisas-em-si. Nietzsche aceita essa posição.
Ele vai contra o racionalismo enquanto instrumento da verdade, e contra o
empirismo, baseado na coisa dada e apreensão dos fatos.
Para Nietzsche, a verdade se tornou
uma multidão de metáforas e metonímias, ou seja, relações humanas. Mas
elas parecem objetivas e incriadas. O homem só conhece o efeito das leis
da natureza, e não elas mesmas. A atividade do conhecer é um meio de se
atingir a potência. Para se contrapor à ilusão em que vivemos, devemos
desenvolver uma força artística. O mundo que percebemos é uma obra de
arte dos sentidos e do intelecto. da concepção de conhecimento deriva a
noção kantiana do conhecimento com atividade constituinte e legisladora.
Nietzsche é contra a humanização do mundo.
A objetividade, para o homem, é uma
função prática da subjetividade. A essência se torna sentido, e o
sentido é uma força ou valor. Esse livro, Sobre verdade e mentira no
sentido extra-moral, é sobre verdade e linguagem. A palavra não é mais
do que uma representação sonora de uma excitação cerebral. Nietzsche
chega à velha verdade: existe um abismo entre a sensação e a linguagem.
com a vida gregária, vem designação obrigatória e verdadeira das coisas.
Assim surge a verdade, de caráter social , convencional.
Nietzsche criticou David Strauss, num ensaio que obteve aceitação, dentre outros, do hegeliano de esquerda Bruno Bauer.
Nos Ensaios das Considerações
Extemporâneas, livro de caráter polêmico, critica o historicismo, e as
Universidades. Diz que o Estado não protege nunca homens como
Schopenhauer e Platão, pois tem medo deles. É acusado de megalomania.
Nietzsche sempre foi um defensor do
virtuosismo, bem como do espírito guerreiro. Diz que toda a arte e
filosofia são um meio para a vida que cresce. Os homens grandes sofrem.
Os sofredores são de dois tipos: os de abundância de vida, que querem
uma arte dionisíaca, e os que sofrem de empobrecimento de vida. Os
românticos são da última categoria. Cita como exemplo de românticos
desse tipo Wagner e Schopenhauer, seus ídolos da mocidade, quando já
estava maduro, na Gaia ciência.
Em 1872 , Nietzsche freqüenta
assiduamente a casa de Wagner. Wagner, e sua mulher Cosima lhe tratam
com respeito. Nietzsche tem uma paixão contida por Cosima. Wagner se
muda e eles começam a se afastar. Nietzsche começa a se isolar. Em 1876,
vai assistir a tetralogia, O anel dos Nibelungos, de Wagner, que andava
fazendo muito sucesso e deixara-se embriagar com isso. Nietzsche se
irrita com o caráter burguês da obra e pela nivelação da sociedade
medíocre, que grosseiramente se entusiasmava pela música. " aguardo com
terror o fim dessas noites, não agüento mais." Desiludido, vai para
Bayreuth. O Parsifal, de Wagner, é uma exaltação ao cristianismo e à
santidade. Mais tarde, critica Wagner em muitos aspectos, em o Caso
Wagner. Começa a sofrer de saúde. Paul Reé, um médico, vem lhe prestar
auxílio. Paul publicara em 1875 Observações psicológicas e se preparava
para o segundo livro.
Em novembro de 1876 Nietzsche e
Wagner convivem pela última vez. Na Gaia ciência, fala que eles tiveram
uma amizade astros, mas como dois navios com objetivos próprios,
partiram para mares e sóis diferentes.
Nietzsche vai para Sorrento, numa
estada proveitosa. Volta para a Basiléia e à universidade, a saúde
piora. Em maio de 1878 lança Humano, Demasiado Humano, numa crítica aos
valores. Seguem-se opiniões negativas e positivas. Wagner, Rohde e
Malwida ficam embaraçados, contra. Outros, como Overbeck, Rée e Gast
elogiam o livro. Bruno Bauer o elogia, mais tarde. O livro é lançado em
comemoração ao centenário da morte de Voltaire, em 1879, Nietzsche se
aposenta da faculdade e ganha uma bolsa de 400 francos anuais por
serviços prestados à cultura.
A Basiléia foi seu lar durante dez
anos. Lá viveu, fez amigos, trabalhou, sempre criticando o vazio de
muitos eruditos. Freqüentara a vida acadêmica. Passou, então, a ter uma
vida errante. Em 1870, sua saúde piora de vez, ele fica à beira da
morte. Crises graves e ininterruptas durante meses. Restabelecido, mas
não totalmente, viaja pela Europa: Suíça, Itália, França e Alemanha.
Numa linguagem mais amena, mas não menos crítica, escreve com todo o seu
ser, Suas Verdades são Sangrentas. Ignora o que sejam verdades
espirituais. Em 1880 publica O andarilho e sua sombra. ". Em 1885
escreve um livro que é de um homem culto do século XIX, opinando sobre
diversos assuntos em pequenas sessões. Faz crítica literária, artística,
filosófica e até política. Vê a juventude com outros olhos. O jovem é
um barril de pólvora , que pode se inflamar em torno de qualquer
ideologia. Nesse sentido, acha o hegelianismo perigoso. A obediência aos
costumes é moralidade. Os fracos governam, pois associaram-se e
recriminam os fortes.
O que é proveitoso constitui o valor.
O homem é o criador de valores, mas se esquece de sua criação. A
moralidade é o instinto gregário do indivíduo. Quem é punido é quem
pratica os atos. Na sociedade, existem os instintos de rebanho.
Atribuem-se às palavras um sentido fixo e acha que ela espelha a
realidade, que tem caráter transitório. O homem chega, pelos costumes, à
convicção de que é preciso obedecer. No inverso disso, existe o prazer,
a autodeterminação e a liberdade de vontade.
O espírito livre revolta-se contra a crença. Para libertar-se, é preciso um longo processo de abandono de hábitos e comodidades.
Nietzsche não era racional, depois
passou a criticar a teologia e elogiar um pouco a ciência. Mas ela está
carregada de antropomorfismos. A parte positiva é que ela se livrou do
além, da vida após a morte. Escapou das crenças mas não da crença da
verdade. Nietzsche diz que os homens de ciência não tem espíritos
livres. A interpretação científica não é única. No inverno de Gênova, vê
a obra musical Carmen, de Bizet. Sente-se arrebatado e transportado. É
um retorno à vida, depois de estar de caras com a morte.
No final de abril de 1882, Nietzsche
chega à Roma. Viajou em um cargueiro. Sua vida amorosa não foi das
melhores. Foi recusado no pedido de casamento duas vezes. Conheceu,
através de um amigo, duas jovens de origem russa, em 1876. Pediu em
casamento a mais velha (eram irmã), que mais tarde se casou com Hugo. Em
julho de 1876 encontrou uma francesa, Louise Ott.
Na Sicília, Paul Rée e Malwida lhe
escrevem, pedindo que conheça uma moça, Louise von Salomé, que russa,
viajava pela Itália com a mãe. Era muito inteligente e tinha uma
personalidade liberada, com comportamento e espírito idem. Ela se
relaciona com Nietzsche, mas também gosta de Rilke e admira Freud. Em
Roma se conheceram, e Nietzsche se apaixonou. Vão para a Suíça com Rée.
Querem ter uma vida cultural, com muitas pesquisas em um grande centro,
num projeto que chamas de Santa Trindade. Nietzsche pede Lou em
casamento e obtém nova recusa. Ela escreveu um livro sobre Nietzsche, em
1894. O trio se separa. Depois, voltam a ficar algumas semanas juntos.
Nietzsche quer fazer de Lou uma discípula que continue seu pensamento.
A família de Nietzsche é contra sua
paixão. Seu comportamento é liberado demais: vive com dois homens sem
ser casada. E Lou acabou ficando com Rée em Berlim por cinco anos. Rée
foi assassinado em 1904, depois de praticar sodomia. Lou se casou com
Carl Andréas.
Em Silas Maria, Surlei, Nietzsche tem
a visão do eterno retorno, teoria que colocará em sua obra prima, Assim
Falava Zarathustra. A energia e a matéria do universo são finitas, e
ele está sempre em fluxo, de modo que, no futuro, as coisas voltam. Cada
instante traz a marca da eternidade, e volta a acontecer um número
infinito de vezes. As civilizações voltarão, até mesmo Nietzsche
voltará. O universo é animado por um movimento circular sem fim. Passa
de um frescor para desenvolver-se e chegar ao ápice, e renasce, como
Phoenix, de si mesmo. A soma de energia permanece igual no universo.
Apesar disso, Nietzsche condenava a crença na vida após a morte. Para
ele o homem havia sido preso pela suas crenças, inventadas e colocadas
acima do real. Não devemos nos voltar para o além e o eterno, pois essa
mistificação reduzem o homem à condição de servo e destrói as fontes
mais profundas da vida. No lugar dessas crenças, devemos reconhecer em
nós e na história a Vontade de Potência, de poder. Na teoria do eterno
retorno, o mundo se alterna na criação e destruição, alegria e
sofrimento, bem e mal. Em Zarathustra, Nietzsche é um defensor do
virtuosismo, virilidade, contatos rústicos com a natureza e espírito
guerreiro.
Como explica em um poema, Nietzsche
estava num jardim, no inverno de Rapallo, esperando e meditando além do
bem e do mal, quando "um se fez dois, e Zarathustra passou por mim".
Nada tem a ver com o Zarathustra persa. Quando Nietzsche terminou a
primeira parte de Zarathustra, Wagner morreu (sua última música foi
Parsifal) .Terminou o livro em 1885. Em 1888, Nietzsche escreve o
Nietzsche contra Wagner, que junto com o Caso Wagner, constitui a
justificativa teórica, exorcista, das suas desavenças com Wagner.
Nietzsche o critica a torto e a direito, e é famosa a frase em que diz:
"Wagner acaricia cada instinto budista e embeleza-o com a música;
acaricia toda a forma de cristianismo e toda a forma de decadência."
Nietzsche reconhece em Wagner o pessimismo, influência de Schopenhauer, e
estava em uma fase de afirmação do lado positivo da vida. Foi muito
difícil editar Assim falava Zarathustra, "um livro para todos e para
ninguém". Como em muitas edições de seus livros, Nietzsche pagou do
próprio bolso a última parte da obra- foi uma tiragem de quarenta
exemplares, mas não tinha para quem mandá-lo, pois estava sem amigos, e
enviou-o para sete pessoas. Overbeck lhe manda livros de vez em quando,
pois sabia que Nietzsche estava em dificuldades financeiras.
Nietzsche começa a redigir Além do
bem e do mal. É o livro pós-Zarathustra, sobre o qual disse: "é
incompreensível, pois remete a experiências só minhas, e eu não encontro
companhia nem entre os vivos, nem entre os mortos". Nietzsche faz
prefácios para edições anteriores de seus trabalhos e redige a última
parte de A Gaia Ciência. Leu Dostoievsky, e adorou sua psicologia, que
põe em personagens. O próprio Nietzsche via em si e em sua filosofia uma
fonte para muitos psicólogos, que ele considerava terem muito a
evoluir. Escreve Para uma genealogia da moral, que complementa e ilustra
Para além do bem e do mal. Nietzsche vê ao origens e motivos que
fizeram o homem viver de acordo com a mentira da moral, que serve aos
fracos. Escreve um adendo para o Além do bem e do mal.
Em 1889, começa a pirar. Saindo do
seu quarto de pensão, vê um cocheiro açoitando seu cavalo. Precipita-se
entre o animal e o açoite e perde os sentidos. Ficou desmaiado dois
dias. Quando Overbeck vai visitá-lo, está louco. Diz que é o sucessor do
Deus morto e o bufão da eternidade. Escreveu cartas para muitas
pessoas, assinando como Dionísio, e o crucificado. Nietzsche sofria da
saúde então. Não conseguindo tratamento adequado, se tornara seu próprio
médico. Tomava drogas como o ópio, haxixe (principalmente) e cloral.
Escreve a primeira parte de seu
projeto A vontade de potência, O anticristo. Escreve Ditirambos de
Dionísio. Escreve Ecce como. Os ditirambos são poemas, Nietzsche gostava
de poesia, admirava Goethe e sua sabedoria. No anticristo, continua seu
ataque à moral cristã, como força inimiga da vida, restringidora da
vontade de potência , e cuja influência apolínea desvirtuou a
humanidade.
Nietzsche é internado na Basiléia.
Sua mãe foi contra. O diagnóstico é paralisia cerebral progressiva,
causada possivelmente pelo uso de drogas e tendo como agravante sua
saúde precária. Nietzsche fica dócil e seus amigos duvidam de sua
loucura. Nas visitas, revela boas memórias.
A irmã de Nietzsche, Elizabethe
Foster, volta do Paraguai, depois da morte do marido anti semita, que
Nietzsche não gostava. Depois de uma luta judicial, consegue a
responsabilidade pelos escritos do irmão, e passa a manipulá-los. Eles
tiveram uma relação incestuosa. Ela Publica A Vontade de potência, não
de acordo com a vontade do autor, mas uma coletânea de anotações e
aforismos. Os livros de Nietzsche fazem sucesso na virada do século, ele
obtém reconhecimento, e seus livros dão dinheiro. Mas não adiantava
mais, era tarde. No hospício, Nietzsche escreve Minha irmã e eu. Morre
em agosto de 1900. Sua irmã ainda manipulou seus escritos a favor do
fascismo, era admiradora de Mussolini. Sua teoria do super-homem foi
adaptada para servir ao arianismo.
Nietzsche critica Kant, ora contra
ora a favor. Diz que sua sabedoria era imensa. Que era um cristão
pérfido, insidioso. Devemos a Kant um avanço metafísico, o de não crer
mais na possibilidade de conhecer um além - mundo. Ele se orgulhava de
seu avanço, o de ter descoberto os juízos sintéticos a priori (antes da
experiência), sendo possíveis graças a uma faculdade. Mas Nietzsche diz
que não temos de acreditar em tais juízos, no seu valor prático, mas nos
perguntar como eles são possíveis. Porque preferir sempre a verdade?
Ela nem mesmo é fixa e inalterável. Nietzsche é adepto do
perspectivismo, a pessoa enxerga o mundo de acordo com sua perspectiva
sócio-cultural. A partir do sujeito, o sujeito não pode ser pensado , só
vivido, sempre a entender e a interpretar. Nietzsche o chama de "o
velho Kant, o grande chinês de Köninsberg. Os sistemas filosóficos
exemplares de Kant e Hegel tem colocado fórmulas e valorações nos campos
em que atuam.
Para Nietzsche, Hegel e Schopenhauer
se colocaram contra bestial mecanização do mundo. Embora voltados para a
modernidade, não faziam do racionalismo algo reducionista. Assim também
acontece com Goethe, que Nietzsche não critica, diz que ele inspira
respeito. Nietzsche, inicialmente via no povo alemão uma força
dionisíaca, capaz de afastar a monotonia apolínea instaurada na Europa.
Mas depois critica os alemães em diversos pontos. Diz que depois de
dominar o espírito, se entediam com ele. Esse povo embruteceu com o
cristianismo e o álcool. O essencial de sua cultura superior está
perdida. Nietzsche reagiu contra o historicismo de Hegel, que justifica
as ações dos homens de acordo com o espírito e com o absoluto.
No Crepúsculo dos ídolos, Nietzsche
analisa como Sócrates conseguiu penetrar no coração dos nobres
atenienses. Tocava no instinto de combate grego e era um erótico. Assim,
conseguiu se sobressair, apesar de ser feio. Então ele afastou as
mitificações que exploravam o lado obscuro da natureza, que só podia ser
sentido, vivido, e não pensado. Afastou-o com a luz da razão, que
elevou à categoria de tirana. Para Nietzsche, a verdade e a falsidade
não mais existem, mas sim sinais, o homem está destinado a
multiplicidade, pois tudo é interpretação.
Nietzsche condena a noção que se
encontra na cultura de muitos povos, que explicam tudo sob a luz
racional e terceirizam para um além mundo o que não se encaixa. Assim, a
razão é considerada como divina, pois seu estado de clareza leva a um
falso bem estar. A natureza, para Nietzsche , está além das concepções
humanas de entendimento. Essa mesma natureza devia ser experimentada de
acordo com o espírito guerreiro, temos de viver em estado de guerra, e
resistir aos apelos supra terrenos. Ele criticou a metafísica, que
colocava o mundo como reflexo diminuído de algo transcendente. A
recompensa para o sofrimento dessa vida, segundo o cristianismo, está no
além. O cristianismo é um vale de lágrimas. São os escravos e vencidos,
ou seja os que não podiam experimentar esse mundo com o virtuosismo que
ele merece, que fizeram a moral dos fracos, inventando o além. Para
recuperar o lado positivo da vida, é necessário uma transmutação de
todos os valores, uma revigoração da cultura judaico-cristã. No processo
de transformação, teríamos de lutar contra os erros sob os quais fomos
criados, como o ressentimento (é tua culpa se sou fraco), a consciência
de culpa e o ideal ascético.
Mas sua tarefa é solitária. Toda a
civilização é produto de bases falsas, os eruditos são os que têm maior
responsabilidade para lutar contra esse defeito, e questionar os
próprios princípios. A cultura encontra-se em decadência, como resultado
do afastamento da força da vida, tão escassa no universo. Nietzsche se
afastou, ao enxergar a verdade cada vez mais longe. Mas pagou sua dívida
por esse afastamento ao criar seu herói solitário, Zarathustra, um
questionador da cultura e civilização, bem como da moral e valores sobre
o qual ela se apóia. A tarefa de conscientização de Zarathustra não é
fácil, ele encontra a ignorância do "populacho" em um tempo não
definido. Zarathustra é o personagem principal de um romance
filosófico-poético. Com trinta anos, sobe à montanha para escapar dos
males das relações humanas e adquirir conhecimento da natureza. Vive em
exposição aos elementos naturais, e junto aos seus animais (uma águia e
uma serpente). Lá vive por dez anos, até saciar de seu conhecimento como
abelha que produz muito mel, e parte para o convívio humano. A
narrativa é pouca, o que preenche o livro são os discursos de
Zarathustra. Ao descer encontra um velho e depois de dialogar se
interroga: "será possível que este homem santo não saiba que deus
morreu?" Nietzsche já havia feito essa afirmação na Gaia ciência, e
desenvolve com Zarathustra. Os Deuses morreram de tanto rir, ao ouvir a
afirmação de que só existe um Deus. Nietzsche pretende colocar com essa
afirmação que a civilização racional afastou as interpretações místicas
do mundo, prevalecendo na Terra, o senso comum, e nele não há lugar para
Deus, pois o homem não pode suportar não ser Deus, e portanto Ele não
existe. A ignorância do dogmatismo faz com que acreditemos em coisas
absurdas. Pelo fato de não podermos explicar, colocamos nossas
esperanças no fim das frustrações no além.
Para substituir a divindade morta,
Nietzsche sugere o super-homem: o bom senso da Terra. O que há de nobre
do homem é ser ele um fim , e não um meio. O super-homem é a ponte, é
ele o raio. O homem é algo que será superado. Ele é o resultado da
vontade de potência exercida, um paradigma da virilidade e virtuosismo.
Se coloca além do bem e do mal, e fez seus valores em pedaços. O povo ri
do discurso de Zarathustra, que resolve não pregar mais em praças.
Ao longo do livro Zarathustra viaja e
expõe sua doutrina sobre assuntos diversos, adquirindo alguns
discípulos. Os poetas mentem em demasia, Zarathustra expõe a verdade. É
um apoio à margem do rio, mas não uma muleta. Por trás de toda a
moralidade existe a vontade de poder. O homem deve exercer o poder da
vida, de modo a servir de solo ao super-homem. A moral é uma força
contrária à natureza. Para chegar ao super-homem, Nietzsche não descarta
a eugenia, a procriação para fins de superação. Passa-se o sangue e a
alma para o filho, que continua as obras. O sangue é espírito também. A
educação deve enobrecer o espírito humano, e não restringi-lo. Uma vida
viajante faz com que não nos prendamos em rotinas, tem que se viver em
estado de alerta, como guerreiro. Zarathustra só poderia crer num Deus
que dança, pois todos os dias em que não há danças estão perdidos.
Zarathustra critica o Estado, pois ele não representa o povo. Tudo nele é
falso, diz Zarathustra. O homem deu valores às coisas afim da
auto-conservação, um valor humano, inadequado. A humanidade não existe,
pois é uma abstração.
Os sábios servem o povo e a
superstição, não a verdade. Ela está onde o povo está. Zarathustra
conversa com a vida e com os animais, que chegam a cuidar dele em sua
época de doença e delírio. A vida lhe confia um segredo: "Olhe, eu sou o
que deve ser superior a si mesmo". Zarathustra crítica os estultos e
ama a liberdade. É o último dos sábios, e conhece a arte da retórica.
Zarathustra parte em busca de novos
horizontes, Primeiro vai para as ilhas bem aventuradas, depois se
aventura para além do oceano. Passa pela cidade dos tolos, escorraça-os.
Encontra aquele que matou Deus, sempre em busca do homem superior. Mas
volta para a terra onde morava, quer retornar à sua gruta. Ouve o grito
do homem superior, e no caminha encontra diversas personagens: os reis, o
viajante, o homem mais feio, o mendigo. Convida-os tanto para um jantar
em sua gruta, onde se dá a ação final. Lá há espaço e comida para
todos. Zarathustra consegue o reconhecimento desses homens, com seu
pensamento, que de modo crítico, coloca a arte e poesia como força
criadora e de vida, o único valor possível.
Os outros livros de Nietzsche são
influenciados pelo o de Zarathustra. Nietzsche se superou, como pensador
da cultura e artista. Sua influência na filosofia posterior é grande,
como em Deleuze, Heidegger e Foucault. Depois da segunda guerra, houve
uma retomada da interpretação de sua filosofia, em sua acepção original,
não deturpada. Fez a crítica da modernidade, e seu bravo peito
desbravou os horizontes possíveis com o artifício da linguagem, e não
cedeu diante as adversidades, em sua vida incomum. Influenciou também os
existencialistas e os psicólogos. Além de músico, poeta filólogo e
filósofo, foi um grande escritor. Suas obras têm um tom profundo e
coeso, como em Platão.
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