Na noite da insurreição que libertaria Minas Gerais do jugo português, segundo Tiradentes pretendia,
os líderes da inconfidência sairiam às ruas de Vila Rica dando vivas à
república, com o que ganhariam a imediata adesão da população. Delatada e
esmagada a conspiração, o movimento fracassou sem ter tido a
oportunidade de pôr à prova a combatividade do povo brasileiro, o que
certamente teria estimulado sua ambição de independência.
Joaquim José da Silva Xavier nasceu
em 1746, na Fazenda do Pombal, próxima ao arraial de Santa Rita do Rio
Abaixo, entre a Vila de São José, hoje Tiradentes, e São João del-Rei.
Era filho do português Domingos da Silva Santos, proprietário rural, e
da brasileira Antônia da Encarnação Xavier. Joaquim José era o quarto
dos sete irmãos. Órfão aos 11 anos, não fez estudos regulares e ficou
sob a tutela de um padrinho, que era cirurgião. Empreendedor, exerceu
várias profissões, entre as quais a de mascate e minerador. Tornou-se
sócio de uma botica de assistência à pobreza na ponte do Rosário, em
Vila Rica, e se dedicou também às práticas farmacêuticas. O exercício da
profissão de dentista valeu-lhe o cognome Tiradentes, usado
depreciativamente nos autos da devassa e popularizado desde então.
Tiradentes tornou-se técnico em
reconhecimento de terrenos e na exploração dos seus recursos, com os
conhecimentos que adquirira no trabalho de mineração. Os governadores o
enviavam, por esses dotes, em reconhecimento e levantamento do sertão.
Joaquim José alistou-se na tropa da capitania de Minas Gerais e, em
1781, a rainha Maria I nomeou-o comandante da patrulha do Caminho Novo,
estrada que conduzia ao Rio de Janeiro. No exercício da função de
garantir o ouro e os diamantes extraídos da capitania, fez amizades nas
vendas e estalagens do caminho. Nesse período, começou a criticar a
espoliação do Brasil pela metrópole, que ficava evidente quando se
confrontava o volume de riquezas tomadas pelos portugueses e a pobreza
em que o povo permanecia.
Apesar do bom desempenho nas missões
oficiais de responsabilidade que lhe foram confiadas, Tiradentes era
sempre preterido nas promoções e só atingiu o posto de alferes.
Insatisfeito com essa situação, Joaquim José pediu licença da cavalaria
em 1787. Deu início então, sem sucesso, a projetos de vulto como a
canalização dos rios Andaraí e Maracanã para melhoria do abastecimento
de água do Rio de Janeiro. Enquanto aguardava o deferimento dos pedidos
que fizera para as obras, permaneceu por volta de um ano na capital.
Ao mesmo tempo em que procurava levar
à frente seus desígnios particulares, Joaquim José já pregava a
liberdade para a colônia. Em 1788 ligou-se ao filho do capitão-mor de
Vila Rica, José Álvares Maciel, que chegara recentemente da Europa e
comparava o progresso industrial na Inglaterra com a situação da
colônia. De volta a Minas Gerais, Joaquim José fez propaganda em Vila
Rica e arredores a favor da independência do Brasil. Organizou um
movimento aliado a integrantes do clero e pessoas de certa projeção
social, como Cláudio Manuel da Costa, antigo secretário de governo,
Tomás Antônio Gonzaga, ex-ouvidor da Comarca e Inácio José de Alvarenga
Peixoto, minerador.
O recente movimento de independência
das colônias americanas e a formação dos Estados Unidos, cujo modelo era
conhecido e atraía a simpatia de parte da elite brasileira, inspirou a
conspiração em Vila Rica e em outros pontos de Minas Gerais, bem como no
Rio de Janeiro. Fatores regionais e econômicos contribuíram também para
a articulação da conspiração de Minas Gerais, pois na capitania
começara a declinar a mineração do ouro. Os moradores já não conseguiam
cumprir o pagamento anual de cem arrobas de ouro destinado à Real
Fazenda, motivo pelo qual aderiram à propaganda contra a ordem
estabelecida.
O movimento libertário de Vila Rica,
segundo os autos da devassa, foi deflagrado pela "derrama", cobrança
forçada e geral dos impostos em atraso desde 1762, que chegava a 538
arrobas de ouro. O encarregado de comandar a derrama era o novo
governador de Minas Gerais, Luís Antônio Furtado de Mendonça, visconde
de Barbacena, que por isso já não contava com a simpatia da população.
A conspiração, no entanto, foi
delatada pelos portugueses Basílio de Brito Malheiro do Lago e Joaquim
Silvério dos Reis -- que obteve assim o perdão de vultoso débito para
com a Fazenda Real --, assim como pelo açoriano Inácio Correia de
Pamplona. Em fevereiro de 1789, o visconde de Barbacena suspendeu a
derrama e ordenou a prisão dos conjurados.
Tiradentes, no entanto, partira para o
Rio de Janeiro para promover maiores articulações. Avisado de que
estava sendo seguido por granadeiros disfarçados, escondeu-se na casa de
um amigo e planejou a fuga para Minas Gerais. Não suspeitava de Joaquim
Silvério dos Reis, que o seguira ao Rio de Janeiro a mando de
Barbacena, e pediu ao padre Inácio Nogueira que fosse ter com o traidor.
Joaquim Silvério entregou o padre e, em 10 de maio de 1789, Tiradentes
foi preso.
Durante o processo, que se arrastou
por três anos, Tiradentes assumiu inteira responsabilidade pela
conjuração. Foi o único que não mereceu clemência da rainha dona Maria
I: condenado à morte junto com dez de seus companheiros, estes tiveram a
pena comutada por favor real. Sete réus foram condenados a degredo
perpétuo e um a degredo temporário. Alguns foram absolvidos e permaneceu
em segredo a sentença dos eclesiásticos.
Na manhã de 21 de abril de 1792, um
sábado, Tiradentes percorreu em procissão as ruas engalanadas do centro
da cidade do Rio de Janeiro, no trajeto entre a cadeia pública e o largo
da Lampadosa, atual praça Tiradentes, onde fora armado o patíbulo.
Executado, esquartejaram-lhe o corpo. Com seu sangue lavrou-se a
certidão de que estava cumprida a sentença, e foi declarada infame sua
memória. A cabeça do herói foi exposta no alto de um poste em Vila Rica;
os restos mortais foram distribuídos ao longo do Caminho Novo --
Cebolas, Varginha do Lourenço, Barbacena e Queluz (antiga Carijós) --,
lugares onde fizera suas prédicas pela liberdade.
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