Nicolau Maquiavel(1469-1527)
foi escritor, diplomata, e pensador político, nascido e falecido em
Florença. De origem relativamente modesta, conseguiu fazer carreira
pública, após a expulsão dos Medici, em 1494.Executou missões junto a
diversos Estados italianos, progredindo rapidamente na carreira. Embora
nunca fosse nomeado oficialmente embaixador, dirigiu freqüentemente
negociações de grande responsabilidade.
Foi particularmente importante a
missão que desempenhou junto a César Bórgia, durante as conquistas
deste na Romanha, em 1502.De regresso a Florença, desempenhou o cargo de
segundo secretário, sob o governo de Soderini. Percebendo o perigo que
representavam as tropas mercenárias, empregadas habitualmente por
Florença e por outros Estados italianos, organizou, em 1506 e 1507, com a
aprovação de Soderini, uma milícia nacional. Dois anos depois, a força
por ele organizada com cidadãos florentinos participou
do término vitorioso do assédio de Pisa, que Maquiavel supervisionou
indiretamente. Todavia, quando os Medici ameaçaram os florentinos de
dirigir contra a cidade tropas espanholas, a milícia foi dividida,
sofrendo grave desastre em Prato, em 1512, e a entrega daquela posição
defensiva acarretou a queda de Florença e a fuga de Soderini.
Preso por algum tempo em 1513 e
torturado, Maquiavel recebeu depois ordem de se retirar para sua
propriedade, perto de San Casciano, na Toscana. Devido a sua íntima
conexão com o regime republicano deposto, não conseguiu recuperar sua
preeminência política. Todavia, desempenhou por breves períodos alguns
cargos menos importantes e recebeu dos Medici diversos favores, em reconhecimento
por sua atividade literária, que se intensificou consideravelmente após
a queda do governo republicano. Ocorrendo nova expulsão dos Medici,
regressou a Florença, mas adoeceu gravemente, morrendo pouco depois.
Sua obra mais famosa, O
Príncipe, escrita de 1513 a 1516, foi publicada postumamente, em 1532.A
obra reflete seus conhecimentos da arte política dos antigos, bem como
dos estadistas de seu tempo, e expressa claramente a mentalidade da
época. Formulando uma série de conselhos ao príncipe, o autor expôs uma
norma de ação autoritária, no interesse
do Estado. Deste modo, Maquiavel ilustrou a política renascentista de
constituição de Estados fortes, com a superação da fragmentação do
poder, que caracterizara a idade média.
As obras de Maquiavel foram, a
princípio, bem recebidas, mas durante o período agitado que se seguiu à
Reforma incorreram no anátema de ambas as partes em luta. Em 1559, o
pontífice incluiu-as no Índex. Por outro lado, denegridas
sistematicamente, aquelas obras passaram a ser consideradas, nos países
mais diversos, expressão do cinismo político, advindo daí o sentido
pejorativo de termos como maquiavélico e maquiavelismo.
Análise de "O Príncipe"
O autor inicia com uma breve
dedicatória do livro ao "Magnífico Lourenço de Médicis". Em seguida,
começa a tratar de um assunto se estende por grande parte da obra: os
principados. Vale ressaltar a definição de Estado segundo
Maquiavel:"...todos os governos que tiveram e têm autoridade sobre os
homens...e são ou repúblicas ou principados..."(cap. I).Em seguida, o
autor propõe-se a examiná-los com profundidade, de acordo com suas
características, inicialmente os hereditários e os mistos. Sobre estes, é
interessante ressaltar de sua análise que estes são os menos tangíveis
de dominação por parte de um usurpador qualquer e também os de maior
capacidade de conservação de poder, devido a força existente no comando
de um príncipe de uma linhagem de comando já tradicional. A respeito dos
principados mistos, pode-se dizer que sejam um desdobramento, uma
continuação, de um Estado já existente, "... Estados, que conquistados,
são anexados a um Estado antigo..."(cap. III, número 3). Sobre estes,
Maquiavel tem por ponto central a forma de controle, que pode ser fácil
ou problemática. Nesse caso, aponta algumas soluções, tais como:
eliminação da linhagem de nobres que os dominava e não alteração da
organização de leis e impostos preexistente, instalação de colônias ou a
mudança do novo dominador para o local conquistado. Mas deve ficar bem
claro que o ponto central de apoio a um novo Estado dominante é que os
povos dominados (e também seus vizinhos) o apoiem. Aliás, na questão das
leis, o autor dedica um capítulo da obra para tratar apenas desse
assunto, apontando a maneira com que se deve governar as cidades ou
principados que, antes da conquista, tinham leis próprias. A partir
daqui, o autor inicia a utilização de diversos exemplos para ilustrar as
características que propõe a descrever a partir daqui. Neste caso dos
principados mistos, um nome bastante comentado é o de Luís XII.
Maquiavel, a seguir, ilustra o porquê
do reino de Dario, ocupado por Alexandre o Grande, não se revoltou
contra seus sucessores após sua morte, contrastando este caso com
territórios ocupados pela França. A grande explicação reside na forma de
organização da monarquia: no reino de Dario, existe apenas uma figura
central e de maior importância no poder, o príncipe, e todos os outros
são servos; já nos reinos governados pela França, "...O rei...é posto em
meio a uma multidão de senhores de linhagem antiga, reconhecidos e
amados pelos súditos..."(cap. IV, no. 3), o que não cria uma figura
central forte e, cujo poder, não possa ser contestado.
Retomando o assunto dos principados,
este agora são diferenciados pela forma com que foram conquistados,
contrastando "Os principados conquistados com as próprias armas e
qualidades pessoais"(cap. VI) e "Os principados conquistados com as
armas e virtudes de outrem"(cap. VII).No primeiro, cita os exemplos de
Moisés, Teseu, entre outros, que por virtude própria tornaram-se
príncipes. Já no segundo, o autor transcorre a respeito de César Borgia,
filho do papa Alexandre VI, cujas conquistas foram impulsionadas pelo
poder da posição de seu pai e, depois, por alianças com pessoas de punho
mais firme que ele, como Remirro de Orco. Já em "Dos que conquistaram o
principado com malvadez"(cap. VIII), é tratado o fato de se atingir o
principado através de "...atos maus ou nefandos..."(no. 1).Vale destacar
a forma que Maquiavel propõe da maneira como devem discorrer as
injúrias ao povo, segundo ele "...todas de uma só vez, para que, durando
pouco tempo, marquem menos..."(no. 8).Também é interessante a maneira
com que os benefícios ao povo devem ser proporcionados:"...pouco a
pouco, para serem melhor saboreados..."(no. 8).
Por fim, tem-se os principados civil e
eclesiástico. O principado civil é aquele em que um cidadão comum
torna-se príncipe de sua pátria pelo favor de compatrícios. Segundo
Maquiavel, "...se chega a este principado graças ao favor do povo ou dos
nobres"(cap. IX, no. 1).Partindo desse princípio, denota-se que, para a
chegada do cidadão comum ao principado é necessário conquistar a
simpatia de uma destas facções, que o levará a atingir seus objetivos.
Já os principados eclesiásticos são mantidos pelas tradições da religião
e tem uma força tão grande que mantém seu próprio príncipe no governo,
independente da sua maneira de viver ou comportamento. O autor afirma
que "...somente estes principados são seguros e felizes..."(cap. XI, no.
1) devido às condições que o domínio religioso oferece a estes
príncipes, Estados e súditos: os príncipes detém o Estado, mas não o
defendem, pois não há risco deste lhe ser tirado; e os súditos, mesmo
não sendo governados, não se importam e nem pensam numa separação de seu
príncipe. Entre as explicações destes principados, o autor discorre a
respeito da forma "Como medir as forças de todos os principados", que
trata basicamente de um assunto: a partir de que momento a força de um
príncipe é tão grande a ponto de não precisar da ajuda de outros para se
defender.
Depois da discussão a respeito dos
principados, o autor entra em uma parte que pode ser considerada
intermediária na obra. Discorre sobre as milícias e exércitos, os quais
afirma serem as bases principais de sustentação do poder, ao lado de
boas leis, e ambos têm uma forte ligação entre si. A respeito dos tipos
de milícias, podem ser de quatro tipos: próprias, mercenárias,
auxiliares ou mistas. As mercenárias e auxiliares são de nenhuma
utilidade e transmitem grande perigo, devido ao vínculo praticamente
ausente com os que defendem. Deve-se sempre fugir destas milícias pois a
verdadeira vitória só é saboreada se conquistada com as próprias armas,
sem levar em conta o prestígio alcançado entre os soldados e súditos
desta maneira. Sobre os deveres do príncipe para com seus exércitos,
Maquiavel afirma que a arte da guerra deve ser sempre exercitada, tanto
com ações como mentalmente, para que o Estado esteja sempre preparado
para uma emergência inesperada e, também, para que seus soldados o
estimem e possam ser de confiança.
Depois da discussão das milícias,
Maquiavel inicia a terceira e última parte de sua obra: a discussão
sobre como devem ser as características da personalidade dos príncipes,
inicialmente pelas quais são louvados ou vituperados.
Da leitura do texto, se conclui que os
príncipes não devem tentar reunir todas as qualidades consideradas
boas, pois a sensibilidade humana não permite que sejam todas distintas e
acrescentem muito a opinião dos súditos a seu respeito, mas se
concentrar em absorver aquelas que lhe garantam a manutenção do Estado.
Mas a questão a qual o autor mais se atém é que o príncipe deve evitar
de todas as maneiras adquirir duas delas: o ódio e o desprezo de seus
súditos.
Dentre as qualidades apontadas estão a
generosidade, que deve se balanceada pela parcimônia, a economia. O
príncipe deve ser generoso, mas não muito, pois pode-se adquirir má fama
entre aqueles que não forem beneficiados por esta generosidade, além de
atentar para o detalhe de que geralmente, quando alguém ganha, outros
perdem, e isso pode gerar o ódio ao príncipe, o que deve ser evitado a
qualquer custo. Tão antagônicas quanto as características apontadas
acima estão a crueldade e a piedade. Aliás, as considerações a este
respeito tornaram fizeram boa parte da fama de Maquiavel, com suas
afirmações em relação a ser temido ou amado. Ele afirma que, na
impossibilidade de reunir ambas características, ou de ter que renunciar
a um deles, é melhor ser temido, pois trair a alguém a quem se teme é
bem mais difícil do que a quem se ama. No entanto, ao passo que não se
conquista o amor, deve-se evitar o ódio, respeitando os bens e as
mulheres dos súditos. Um ponto de destaque é no que diz respeito a
postura do príncipe para com seus exércitos: não deve se importar com a
fama de cruel para com eles pois "...Sem esta fama, nunca se mantém um
exército unido nem disposto a qualquer combate..."(cap. XVII, no.
4).Quanto a palavra do príncipe, afirma que este deve procurar mantê-la
mas, quanto isto não for possível, deve-se usar artifícios para
"...confundir a mente dos homens..."(cap. XVIII, no. 1) pois estes,
"...No final, superaram os que sempre agiram com lealdade". Segundo
Maquiavel, o "...príncipe prudente não pode, nem deve, manter a palavra
dada, quando lhe for prejudicial"(cap. XVIII, no. 3).
O capítulo mais extenso da obra
discute "Como evitar o desprezo e o ódio". O ódio surge quando se perdem
bens e honra, pois assim os súditos passam a viver insatisfeitos. Já o
desprezo surge quando o príncipe é considerado volúvel, superficial,
efeminado, pusilânime, indeciso, características que ele deve evitar a
qualquer custo. Em suas atitudes devem ser vistas boas qualidades como
coragem, força e certeza, para que nunca tenha que voltar atrás em uma
decisão.Com isso, o príncipe adquire boa reputação, e o surgimento de
uma conspiração contra sua pessoa torna-se difícil pela admiração de
seus súditos por ele. Refletindo sobre isso, também se faz necessário
destacar a necessidade de se agradar tanto ao povo como aos nobres, como
já foi dito anteriormente no assunto dos principados, porque
conspirações podem surgir de qualquer um dos lados. E para isso, não
são necessárias apenas boas ações, mas também as más, pois para agradar
um grupo podem ser necessárias ações corruptas, negativas, benéficas
partindo-se do princípio de agradar os súditos. E, para finalizar a
discussão à respeito das características do príncipe, Maquiavel trata
das atitudes que este deve proceder para ser admirado, entre eles
grandes realizações e
exemplos raros, além de grandes demonstrações de política interna e externa e de amizade ou inimizade verdadeiras.
Encerrada esta discussão, Maquiavel
escreve mais diversas considerações, que poderiam ser considerados
apêndices, a respeito de diversos assuntos que cercam o príncipe. Entre
eles, estão considerações sobre a utilidade de fortalezas e outras
coisas cotidianas, secretários, aduladores, influências da fortuna sobre
os homens e à respeito da Itália. No que diz respeito às fortificações,
deve construí-las e armar parte de seus súditos para sua própria
segurança, caso tenha medo de seu povo, mas em caso contrário, deve
abandoná-las. Sobre os secretários, são de difícil escolha. Os de melhor
caráter são os que pensam sobretudo no príncipe, sem procurar útil para
si próprio em todas as ações que comete. Aduladores:"...Os homens...com
dificuldade, defendem-se desta peste..."(cap. XXIII, no. 1).Evita-se as
adulações fazendo com que os homens compreendam que não se ofende ao
príncipe se dizerem a verdade à respeito do que lhes for perguntado. No
tocante da fortuna, se ela "...muda e os homens obstinam-se em suas
atitudes, estes terão sucesso enquanto os dois elementos estiverem de
acordo e, quando discordarem, eles fracassarão..."(cap. XXV, no.
9).Maquiavel, sobre a Itália, escreve dois capítulos de sua obra:
"Porque os príncipes da Itália perderam seus Estados" e "Exortação para
retomar a Itália e libertá-la dos bárbaros", que expõem motivos e
soluções para questões de sua pátria, a partir de tudo que discutiu-se
no livro.
Bibliografia consultada:
MAQUIAVEL, Nicolau, "O PRÍNCIPE", Coleção Leitura, Editora Paz e Terra, RJ, 1996.
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