"O senhor fez o mesmo que Hércules.
Matou a hidra. É um benfeitor da humanidade." Com essas palavras o
escritor francês Anatole France, durante visita ao Rio de Janeiro em
1906, saudou Osvaldo Cruz, aludindo ao fato de ter o sanitarista
brasileiro conseguido erradicar as febres amarela e bubônica e a varíola
na então capital federal.
Fundador da medicina
experimental no Brasil, Osvaldo Gonçalves Cruz nasceu em São Luís do
Paraitinga SP em 5 de agosto de 1872. Com apenas 14 anos de idade
ingressou na Faculdade
de Medicina do Rio de Janeiro, onde doutorou-se em 1892, defendendo a
tese Da veiculação microbiana pelas águas. Clinicou no Rio de Janeiro
até os primeiros meses de 1896, quando viajou para a França, a fim de
aperfeiçoar seus conhecimentos, sobretudo de bacteriologia. Em Paris,
trabalhou no Serviço de Vias Urinárias do professor Félix Guyon, no
Laboratório de Toxicologia e no Instituto Pasteur, dirigido por Émile
Roux.
Depois de um estágio na Alemanha, regressou ao Brasil em 1899. Em outubro do mesmo ano esteve em Santos
SP, para estudar a epidemia de peste bubônica que surgiu naquela cidade
e sobre a qual escreveu um relatório detalhado. Em 1900 foi um dos
criadores do Instituto Soroterápico de Manguinhos, destinado sobretudo à
pesquisa e desenvolvimento de vacinas e cuja direção assumiu em 1902. A
instituição firmou-se como centro técnico e experimental de grande
renome -- seu diretor conseguiu reunir em torno de si uma excelente
equipe de jovens pesquisadores -- e em 1908 passou a se chamar Instituto
Osvaldo Cruz, nome que conserva até hoje.
Em 1903 Osvaldo Cruz assumiu o cargo
de diretor-geral de Saúde Pública, com a difícil tarefa de erradicar a
epidemia de febre amarela no Rio de Janeiro, que irrompera no ano
anterior. Iniciou rigoroso programa de combate à moléstia, com o
isolamento dos doentes, vacinação obrigatória e campanhas para eliminar
os focos de mosquito. A campanha sofreu cerrada oposição de parte dos
positivistas, de políticos e de vários jornais cariocas, Correio da
Manhã à frente. Todos os dias os jornais publicavam editoriais que
atacavam Osvaldo Cruz e ridicularizavam em caricaturas a figura do
sanitarista com sua brigada de "mata-mosquitos".
Em 14 de novembro de 1904, finalmente eclodiu uma rebelião da Escola Militar com repercussão popular. O movimento,
denominado "quebra-lampião", quase depôs o governo de Rodrigues Alves. A
revolta foi subjugada pelo comandante da guarnição federal, general
Hermes da Fonseca, futuro presidente da república. Osvaldo Cruz não
cedeu em nenhum momento e, graças às medidas que tomou, registraram-se
apenas 39 casos de febre amarela no Rio de Janeiro em 1906; quatro casos
em 1907; e nenhum caso em 1908. As medidas profiláticas acabaram também
com as epidemias de peste bubônica e varíola.
Osvaldo Cruz procedeu ainda a uma
profunda reforma no código sanitário e ao mesmo tempo remodelou todos os
órgãos de saúde, com grandes benefícios para a higiene e a economia do
país: na época das epidemias os navios evitavam aportar no Rio de
Janeiro. Em 1907, no XIV Congresso Internacional de Higiene e
Demografia, realizado em Berlim, expôs vasto material mostrando as
atividades do Instituto de Manguinhos e da Saúde Pública, tendo o júri
da exposição conferido a medalha de ouro ao Brasil, entre 123
expositores.
Em 19 de agosto de 1909,
Osvaldo Cruz deixou a direção da Saúde Pública, por motivo de doença: já
se manifestavam os sintomas de hiperazotemia (excesso de uréia no
sangue), enfermidade que o mataria menos de dez anos depois. Mas não se
resignou ao ócio: no ano seguinte aceitou convite da empresa que
construía a estrada de ferro Madeira-Mamoré na região amazônica e fez um
estudo do saneamento da região, onde passou um mês. Graças à adoção de
seu esquema, a construção da ferrovia pôde prosseguir até a inauguração,
em 1o de agosto de 1912. O resultado dessa viagem está contido no trabalho Madeira-Mamoré Railway Company: considerações gerais sobre as condições sanitárias do rio Madeira.
Mais tarde elaborou um plano de
saneamento do vale do Amazonas, dando execução a um compromisso que
assumira com o Ministério da Agricultura. Saneou a cidade de Belém, de
acordo com contrato firmado com o governo do Pará. Posteriormente
representou o Brasil em congressos sanitários realizados em Dresden,
Alemanha, na Cidade do México e em Montevidéu.
A eleição de Osvaldo Cruz para a
Academia Brasileira de Letras, em 1912, enfrentando a candidatura do
poeta Emílio de Meneses, provocou grande polêmica naquela casa. Alguns
achavam que, devido a sua denominação, a academia somente devia abrigar
literatos. Venceu a tese de que vultos consagrados, de qualquer arte ou
ciência, podiam ter um lugar na instituição. Em 1913 Osvaldo Cruz passou
a ocupar a cadeira deixada vaga pelo poeta Raimundo Correia. De sua
bibliografia constam cerca de cinqüenta títulos, entre memórias, teses,
pesquisas médicas e relatórios científicos, além do discurso de posse na
academia, em que fez o elogio de Raimundo Correia. Seus trabalhos são
escritos em estilo simples, límpido e direto, a que não falta um certo
encanto artístico.
Em 1916, já muito doente, Osvaldo
Cruz foi nomeado prefeito de Petrópolis RJ. Assumiu o cargo em 18 de
agosto, mas renunciou em janeiro do ano seguinte e morreu naquela cidade
em 11 de fevereiro de 1917.
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